Gostaria, antes de tudo, de agradecer muito sinceramente esta ocasião que me é oferecida de podermos partilhar um tema de tão grande importância: “ A caridade na Missão evangelizadora da Igreja”. Este é um assunto que se reveste duma grande actualidade e certamente pode suscitar interesse nos nossos dias.

Vamos, pois, fazer uma retrospectiva desfolhando o que a Igreja ao longo dos tempos foi desenvolvendo no diz respeito ao serviço da caridade. Estou certo de que não é um assunto de fácil abordagem, mas acredito que esta breve e pobre partilha poderá ajudar-nos a perceber um pouco mais o lugar da caridade na missão evangelizadora da Igreja. Estamos no ano da Fé, e quase já no seu termo. A Mãe Igreja é chamada a renovar a alegria e o compromisso de acreditar em Jesus Cristo, único Salvador do mundo; a acolher este precioso tempo de graça, para aprofundar o conhecimento do Senhor e fazer resplandecer a verdade e a beleza da fé, através do testemunho da nossa vida e do serviço aos irmãos. Trata-se de revitalizar a nossa fé em Cristo empenhando-se cada vez mais na árdua missão de testemunhar a vida cristã através das obras de caridade.

1. Na Sagrada Escritura, sobretudo no A.T., o apelo ao amor ao próximo está ligado ao Mandamento de amar a Deus com todo nosso coração, com toda nossa alma e com todas as nossas forças (cfr. Dt. 6, 5; Mc. 12, 29-31). Cristo resumiu a Sua mensagem num único mandamento com dupla dimensão: Amar a Deus e ao próximo (cfr. Mc. 22, 37-40; Lc. 10, 27-28). No amor a Deus e ao próximo, Jesus resume toda lei e os profetas. Do ensinamento de Jesus depreende-se claramente que toda religião e todo e qualquer agir moral do homem têm como ponto de partida e ponto de chegada o Amor de Deus e ao próximo. Jesus transcende o Antigo Testamento demonstrando que o amor Deus e ao próximo é antes de mais um dom de Deus, uma participação na natureza divina de Deus por parte do homem.

Assim, o cristão, com a próipria dedicação, pode fazer experimentar aos outros a ternura providente do Pai celeste, graças a uma configuração cada vez mais profunda com Cristo. Enteretanto para dar amor aos irmãos, é preciso tirá-lo daquela que é a fornalha da caridade divina, isto é, é necessário ir à fonte da caridade, que é Deus, por meio da oração, da escuta assídua da Palavra de Deus e de uma vida centrada na Eucaristia. Caso contrário estaremos imersos numa mera filantropia!

Ao longo da sua vida terrena, Jesus de Nazaré era conhecido pelo bem que realizava. Ele andou de lugar em lugar, fazendo o bem e curando (cfr. Act. 10, 38). Este foi o modo de derrotar a miséria que lhe abriu os corações dos homens e que o levou a conquistar novos discípulos. A sua acção de essistência é vista como demonstração do amor do Pai, mas também como exortação para que se aceitasse a Sua missão. Os Seus actos querem reforçar a Sua mensagem. Eles tinham valor em si, mas ao mesmo tempo remetinham para além de si próprios, rumo ao próximo.

Os Evangelhos põem em evidência a compreensão progressiva do amor a Deus e ao próximo em que este amor se realiza plenamente num amor verdadeiro ao próximo (cfr. Mt. 25, 1ss), a ponto de Jesus sintetizá-lo: “ um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros…” (Jo. 13, 34-35).

Isto também vale para o Cristão que, hoje, quer conformar-se com o comportamento de Cristo e o Seu agir: a ajuda material e o anúncio do Evangelho compenetram-se mutuamente, isto é, estão íntimamente unidos e permanecem ordenados um em função do outro.

Desde inícios, a Igreja exerceu com muita dedicaçaõ o serviço da caridade concretamente vivida no serviço aos pobres, às viúvas, aos enfermos, aos abendonados…” todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos de acordo com as necessidades de cada um” (Act. 2, 44-45). Assim vemos como na comunidade primitiva para se prestar o serviço das mesas os Apóstolos escolhem sete homens de boa reputação para se entregarem ao serviço da caridade. “Os Apóstolos, a quem estavam confiadas antes de mais a “oração” (Eucaristia e Liturgia) e o “serviço da palavra,” sentiam-se excessivamente carregados pelo “serviço das mesas”, decidiram, por isso, reservar para eles o ministério principal e criar para a outra mansão, também necessária na Igreja, um organismo de sete pessoas. Mas este grupo não devia realizar um serviço meramente técnico de distribuição: deviam ser homens “cheios do Espírito Santo e de Sabedoria” (cfr. Act. 6, 1-6). Quer dizer que o serviço social que tinham de cumprir era concreto sem dúvida alguma, mas ao mesmo tempo era também um serviço espiritual; trata-se, na verdade, de um ofício verdadeiramente espiritual que realizava um dever essencial da Igreja e do amor bem ordenado ao próximo!! (cfr. Deus caritas est, nº21).

2. Na tradição Patrística, cujo fundamento é o Evangelho, o vínculo entre o amor de Deus e o amor ao próximo é sempre realçado. Muitas vezes, a caridade para com o próximo é tida como condição antes do nosso amor a Deus, outras vezes como directa consequência.

Assim, encontramos figuras do Oriente como: Basílio de Cesareia que teoriza a identidade da fé cristã baseando-a directamente nos vínculos da caridade: “ Deus”, diz ele no seu comentário aos salmos, “ não é verdadeiro Deus, a não ser para quantos estão unidos a Ele na caridade!!”.

São João Crisóstomo diz numa sua homilia que “a esmola purifica do pecado… é o maior sacrifício… abre aos céus!!

O Ocidente Latino recebe do Oriente esta síntese da caridade. Para indicar este comportamento usam a palavra Caritas. Trata-se em particular da instituição da diaconia, que funda as suas raízes no Oriente e que se espalhou no Ocidente. Mas já antes e logo nos primeiros momentos a actividade essistencial aos pobres e doentes, segundo os princípios da vida cristã expostos nos Actos dos Apóstolos, era parte da Igreja de Roma. Um exemplo claro deste serviço da caridade na Igreja de Roma é do Diácono Lourenço (+258). Presos os seus irmãos na fé bem como o Papa, a Lourenço porque era responsável pelo cuidado dos pobres de Roma, deram-lhe mais algum tempo de liberdade a fim de recolher os tesouros da Igreja e poder entregá-los às autoridades civis. O Diácono Lourenço procedeu da seguinte forma: distribuiu o dinheiro disponível para os pobres e em seguida apresentou-os às autoridades como sendo o verdadeiro tesouro. Digna de menção é a figura de São Martinho de Tours, soldado, monge e depois Bispo. Este às portas da cidade (de Amiens) partilha metade do seu manto com um pobre; durante a noite, aparece-lhe num sonho o próprio Jesus trazendo vestido aquele manto, para confirmar a perene validade da sentença evangélica: “Estava nu e deste-me de vestir…” (Mt. 25, 36-40). Santos como S. João de Deus, S. Vicente de Paulo e tantos outros que se destacaram de forma clara e heróica na prática da caridade.

E nos nossos tempos figuras como a Madre Teresa de Calcutá que chegou à “caridade extrema” deixou-nos lições de uma entrega e dedicação sem medida ao serviço da caridade e tantos inumeráveis homens e mulheres que se distinguiram no serviço aos pobres e abandonados.

3. Ao longo dos três últimos Séculos nasceram várias Ordens Religiosas, associações…; vários Papas como Leão XIII, Pio XI, João XXIII, João Paulo II, Bento XVI, Bispos, Sacerdotes, Religiosos, Religiosas… que se pronunciaram e trabalharam afincadamente nos mais diversos momentos para chamar a todos os homens e mulheres, cristãos à caridade sem reservas.

4. Assim, o nosso compromisso hoje e sempre permanece o testemunho da caridade de Jesus em relação a cada ser humano, do seu amor que jamais deixou de levar alívio ao homem de todos os tempos (cfr. Deus caritas est nº39). Tendo a Caritas um fim pastoral, não pode deixar de monstrar que o amor solidário que a leva partilhar o pão, a roupa… este amor tem como nascente o Cristo Libertador de todos os problemas.

Portanto, em cada gesto de amor ao próximo, a caridade e o anúncio da verdade estão interligados desde as origens, pois não pode haver uma fé que não se traduza em obras de caridade, que não encontre na fé o seu fundamento, e no testemunho e anúncio da mesma, a sua finalidade derradeira e o seu significado (cfr. Deus caritas est nº39).

Na Igreja, os leigos sempre tiveram um lugar. Também eles tomaram parte activa e operante nas mais diversas iniciativas obras de caridade. Hoje podíamos dizer que estão na linha da frente, pois muitos deles vivem nos bairros, aldeias, ruas… onde muitos irmãos passam por muitas privações. Assim, em comunhão com a hierarquia da Igreja as suas iniciativas devem ser apoiadas e sustentadas para que sejam ajudados quanto cedo aqueles que carecem de bens necessários à vida. Daqui a necessidade de continuar a trabalhar na sociedade e no mundo de hoje ao longo das estradas mestras indicadas pelo evangelho: a fé e a carridade, para reavivar a esperança. A fé, como testemunho de adesão a Cristo e de compromisso na missão evangélica, que nos estimula a uma presença sempre mais viva na comunidade eclesial e a uma pertença cada vez mais consciente ao povo de Deus; a caridade, como expressão de fraternidade em Cristo, por meio das obras de misericórdia a favor dos doentes, dos pobres, conforto e assistência dos atribulados pela solidão… Neste ano da fé empenhemo-nos cada vez mais e para sempre procuremos praticar a caridade, pois esta confirma a nossa adesão a Cristo.

Huambo, 30 de Agosto de 2016
Pe. Ekongo (Sacerdote do Clero Arquidiocesano do Huambo)